Basta navegar pelo LinkedIn por alguns minutos ou conversar com um profissional de Recursos Humanos para perceber o padrão: empresas de todos os portes têm sofrido para preencher vagas operacionais, formar equipes estáveis e manter um nível de serviço elevado. Do outro lado, quem procura emprego também não encontra nenhum mar de rosas: corporações paradas no tempo, burocracia exagerada, requisitos impossíveis de atender. É nítido que a gestão de pessoas pede – ou melhor, implora – por mudanças.
Para começar, é preciso rever o processo de recrutamento e seleção, jogando fora todos os vieses e preconceitos que ainda aparecem em entrevistas de emprego e até na fase de triagem de currículos. Quantos candidatos qualificados não acabam passando batido por conta de modelos engessados e critérios pouco objetivos? A gente não tem a resposta exata para essa pergunta, mas dá para afirmar com alguma segurança: inúmeros.
Pessoas neurodivergentes – como autistas, pessoas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) ou com dislexia – seguem sub-representadas no mercado formal, apesar de apresentarem competências altamente compatíveis com várias rotinas da hotelaria. O problema raramente está na capacidade técnica. Na maioria das vezes ele dá as caras no meio do caminho, sob a forma de entrevistas subjetivas demais, descrições de vagas que reforçam estereótipos e uma expectativa implícita de “perfil ideal” que ninguém nunca conseguiu explicar direito.
Ao observar características como diversidade e inclusão na hotelaria, fica claro que o desafio não é tanto sobre obter o “match” perfeito para cada oportunidade: tem muito mais a ver com a qualidade dos próprios processos de RH. A vantagem é que, agora, nós caminhamos para um estágio em que aquele velho discurso de “sempre fizemos assim” já não convence. Ainda bem!
Neurodiversidade e hotelaria: por que essa dupla dá tão certo
Todo hotel precisa de fluxos bem estabelecidos para sobreviver: horários claros, procedimentos definidos, metas operacionais, indicadores de desempenho. Essa estrutura, por si só, é um baita ponto positivo para profissionais neurodivergentes, já que eles costumam apresentar dificuldade em atuar em ambientes excessivamente informais, nos quais as regras mudam o tempo inteiro e não seguem nenhuma lógica.
E tem mais: áreas como reservas, controle de estoque, backoffice administrativo, manutenção preventiva e até qualidade e auditoria internas podem ser ótimos pontos de partida para um recrutamento inclusivo. Sabe por quê? Todas elas exigem atenção a detalhes, envolvem repetição de tarefas e proporcionam certa previsibilidade, algo com o qual pessoas no espectro autista, por exemplo, costumam se identificar. Afinal, são profissionais que tendem a se destacar em atividades que demandam precisão, consistência e aderência a padrões.
Por outro lado, quem tem TDAH pode ter ótimo desempenho em funções que exigem rapidez de resposta, criatividade e resolução de problemas. Na hotelaria, isso aparece no atendimento ao hóspede em momentos de pico, no apoio à coordenação de equipes, na gestão de imprevistos do dia a dia e em rotinas com múltiplas demandas simultâneas.
Já indivíduos com dislexia têm tudo para deslanchar em atividades que privilegiam instruções visuais e têm execução prática, como apoio operacional em A&B, organização de enxovais, controle físico de estoque, conferência de mercadorias, rotinas de manutenção e acompanhamento de checklists. Como a dislexia envolve desafios específicos na leitura e na escrita, o uso de recursos simples, como fluxogramas, sinalizações visuais, listas padronizadas e sistemas intuitivos, reduz barreiras e potencializa habilidades como visão sistêmica, memória visual e organização espacial.
Se você chegou até aqui, é válido fazer um parêntese: nada disso deve ser encarado como uma regra fixa ou como um tipo de rótulo, viu? O propósito é justamente o oposto: abandonar rótulos e analisar, com objetividade, o que cada função exige. É nesse ponto em que o recrutamento inclusivo evolui de um mero discurso bonito e passa a fazer parte do dia a dia, fortalecendo a gestão de pessoas de modo eficiente, justo e alinhado à realidade do negócio.
O recrutamento inclusivo começa antes da entrevista

Guarde bem essa informação: estimular diversidade e inclusão na hotelaria não tem nada a ver com “afrouxar” critérios ou criar exceções apenas para “cumprir tabela”. Trata-se de ajustar a forma de o RH avaliar os candidatos, não o nível de exigência.
Grande parte dos processos seletivos ainda valoriza excessivamente habilidades sociais genéricas, capacidade de improviso e a destreza em lidar com situações de alta exposição, como dinâmicas de grupo. Esse modelo até pode funcionar para alguns tipos de cargos, mas automaticamente exclui uma infinidade de pessoas que não cumprem esses pré-requisitos, apesar de muitas terem o talento e o conhecimento que essas mesmas empresas procuram.
Em vez de cair nesse viés clássico, a recomendação é priorizar entrevistas com perguntas diretas e com foco em competências reais, além de investir em testes práticos, simulações de tarefas e desafios condizentes com a rotina do cargo, pois tudo isso oferece uma leitura muito mais fiel do potencial do candidato. Ao mesmo tempo, vale a pena comunicar abertamente como será cada etapa do processo. À primeira vista, essa iniciativa pode parecer demasiadamente simples, mas ela evita ruídos desnecessários e contribui para reduzir a ansiedade.
Outro ponto sensível está na descrição das vagas. Expressões como “perfil dinâmico”, “boa comunicação” e “capacidade de trabalhar sob pressão” são bastante populares, sim, embora pouco ou nada digam sobre o trabalho em si. Portanto, é muito mais produtivo usar esse canal para compartilhar responsabilidades e detalhar as principais atividades relacionadas à vaga, permitindo que quem está do outro lado decida se faz ou não sentido se aplicar. Isso melhora a experiência de todos, inclusive de quem não é neurodivergente.
O papel da gestão de pessoas após a contratação
Contratar é apenas o começo. A permanência, o desempenho e o engajamento são consequências de como o hotel integra, capacita e acompanha seus colaboradores desde os primeiros dias. Em uma gestão de pessoas mais madura, diversidade e inclusão não se resolvem com boas intenções, mas com estrutura.
Instruções claras, materiais de apoio, treinamentos passo a passo e checklists diminuem a insegurança, aceleram a autonomia e alinham expectativas. De quebra, garantir que o período inicial seja de acompanhamento mais próximo, com um gestor ou colega de referência sempre por perto, ajuda a corrigir e a evitar pequenos ruídos antes que eles se transformem em um problemão mais adiante. Veja bem, a ideia não é monitorar o funcionário 100% do tempo, mas mostrar que ele tem a quem recorrer quando (e se) precisar de alguma orientação.
Olhar para o ambiente de trabalho com atenção também conta muitos pontos a favor da inclusão. No caso de profissionais neurodivergentes, adaptações pequenas são suficientes para tornar o dia a dia mais tranquilo. Aqui vão alguns exemplos:
- redução de ruídos excessivos em áreas administrativas;
- iluminação adequada para atividades que exigem concentração;
- organização física dos espaços e dos materiais de trabalho;
- comunicação interna objetiva, com menos improviso e mais clareza;
- sinalizações visuais e fluxos bem definidos.
Como você pode ver, o intuito é criar condições e oferecer recursos para que cada profissional consiga entregar seu melhor. Não é só mudar o jeito como o recrutamento é feito e deixar o resto como sempre foi: diversidade e inclusão na hotelaria pedem por mudanças na rotina, nas lideranças e na maneira como os empreendimentos escutam e enxergam quem está na operação.
Quando inclusão vira vantagem competitiva

Os efeitos de uma abordagem mais inclusiva aparecem rápido. Hotéis que levam a gestão de pessoas a sério atraem profissionais diferenciados, derrubam a rotatividade em funções-chave e constroem equipes mais sólidas e comprometidas. A famosa meta de ter um time que “veste a camisa” não surge por acaso: ela é consequência direta da forma como a empresa recruta, integra e desenvolve seus talentos. Pois é. Quem diria, né? (contém ironia!)
E tem outro ponto importante: quanto mais diversa é a equipe, melhor o empreendimento consegue lidar com os diferentes perfis de hóspedes – e, convenhamos, a identificação entre o cliente e a marca é um dos sonhos de consumo de praticamente qualquer negócio, já que abre caminho direto para a fidelização.
Nada disso acontece de uma hora para a outra, é claro. Nem tudo dá certo de primeira. Ainda assim, só o fato de questionar hábitos antigos, repensar etapas do recrutamento e enxergar o que existe por detrás de cada funcionário e potencial funcionário já elevam consideravelmente o nível do RH.
Se você se interessa por esse assunto, está mais do que convidado a assistir à aula “A visão de head hunter sobre desafios no mercado de trabalho hoteleiro”, disponível na plataforma da Escola para Resultados. Essa é uma aula grátis, mas há várias capacitações pagas que estão com descontos exclusivos para assinantes do Portal do Hoteleiro. Por isso, faça o seu cadastro agora (spoiler: não há qualquer custo), acesse a nossa área restrita e aproveite!
Agora a gente gostaria de descobrir sua opinião: o que é um recrutamento inclusivo para você? O que pode ser feito para ampliar a diversidade e inclusão na hotelaria? Onde os hotéis (e as empresas em geral) mais escorregam em termos de gestão de pessoas? Vamos continuar essa conversa nos comentários!









