*Artigo assinado por Jeferson Munhoz, CEO da Escola para Resultados, a primeira escola do Brasil formada exclusivamente por profissionais hoteleiros, e sócio-diretor da HotelCare, operadora multimarca hoteleira*
A gestão de estoques em hotéis, especialmente no setor de Alimentos e Bebidas (A&B), vai muito além de contar mercadorias; é um imperativo estratégico que influencia diretamente a rentabilidade do negócio. O desafio central é manter o estoque ideal – a quantidade exata para atender à demanda, evitando exceder a capacidade de giro – sem impactar negativamente o Custo da Mercadoria Vendida (CMV).
O CMV, que representa o custo direto dos produtos consumidos para gerar a receita (ingredientes de pratos, bebidas, amenities), é o principal indicador de eficiência operacional em A&B. Um controle de estoque deficiente eleva o CMV por meio do desperdício, da perda por validade e da necessidade de compras de urgência a preços mais altos.
A perspectiva acadêmica: estoque como decisão estratégica

Estudiosos de logística e gestão de suprimentos enfatizam a natureza estratégica da gestão de estoques, especialmente em indústrias de alta perecibilidade, como a hoteleira.
Ronald Ballou, renomado autor em logística e cadeia de suprimentos, destaca que a gestão de estoques é crucial para o planejamento e a organização logística. Na hotelaria, isso se traduz na necessidade de equilibrar dois vetores opostos:
- melhorar o nível de serviço ao cliente: ter produtos e ingredientes disponíveis para atender a todas as solicitações;
- minimizar custos de manutenção: evitar o capital parado, o desperdício (perdas por validade ou deterioração) e os custos de armazenagem.
Outros autores, como Slack, Chambers e Johnston, apontam que os gerentes de produção muitas vezes têm uma “atitude ambivalente em relação aos estoques”.
Embora essenciais para evitar rupturas, estoques altos geram custos significativos. A solução acadêmica para esse dilema reside na adoção de técnicas de gestão de inventário sofisticadas e na integração tecnológica para garantir a acuracidade.
Estratégias que ajudam a manter o estoque ideal e a otimizar o CMV

De modo geral, o gerenciamento de estoques ideal em um hotel se baseia em três pilares: previsão precisa da demanda, controle rigoroso dos processos internos e adoção de metodologias testadas.
1. Previsão de demanda e ponto de pedido inteligente
Um dos maiores erros que elevam o CMV é a compra baseada em estimativas vagas.
- Prática ideal: a previsão de demanda deve integrar o histórico de vendas, a sazonalidade, a taxa de ocupação do hotel e a agenda de eventos (banquetes, conferências). Ao mesmo tempo, o setor de A&B precisa trabalhar em conjunto com o setor de Reservas para obter dados precisos sobre a ocupação futura.
- Conceito (“ponto de pedido”): ter um controle baseado no ponto de pedido (PP), que visa manter o nível mínimo de estoque considerando o tempo de ressuprimento de cada fornecedor, favorece compras justas. Afinal, o PP evita o excesso de armazenamento (dinheiro parado e risco de perdas) e a ruptura (compras emergenciais caras).
2. Metodologias de controle rígidas (PEPS / FIFO)
Especialmente para itens perecíveis (carnes, laticínios, frutas e vegetais), a metodologia de estocagem é fundamental para evitar o desperdício, o que se traduz em redução direta do CMV.
- PEPS (ou “First in, First out”, em inglês, formando a sigla FIFO): o método “primeiro a entrar, primeiro a sair” (PEPS) organiza o estoque de forma que os itens adquiridos primeiro sejam os primeiros a serem utilizados. Esta técnica é crucial para evitar o descarte por validade e para certificar a qualidade dos produtos.
3. Ficha técnica e controle de porções
O desperdício na cozinha é um dos maiores vilões do CMV. Mesmo com uma compra ideal, um corte mal feito ou uma porção servida além do padrão aumenta o custo de cada item vendido.
- Prática da ficha técnica: a padronização das porções, definida com base na ficha técnica detalhada de cada prato, é essencial. Isso porque cada grama a mais de ingrediente utilizada representa um custo adicional que se acumula no CMV. Por isso, é vital oferecer treinamentos curtos e práticos, que ressaltem a importância de a equipe de cozinha sempre seguir a ficha técnica.
Exemplos práticos para a gestão de estoques em hotéis
A aplicação prática dessas estratégias pode ser vista em grandes redes e em hotéis independentes de sucesso.
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Inventário diário/semanal e contagem cega |
Garante a acuracidade do estoque físico vs. sistema, identificando perdas (quebras, desvios). |
Reduz a discrepância e o custo de ajuste, pois perdas por desvios e erros elevam o CMV. |
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Uso de tecnologia (PMS e ERP) |
Monitoramento em tempo real do nível de estoque e consumo por setor. |
Evita a necessidade de estoque de segurança excessivo e permite a compra “just in time”, minimizando o capital parado. |
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Análise de engenharia de cardápio |
Identifica os pratos de alta lucratividade (Stars) e baixa lucratividade (Dogs). |
Permite focar a compra e o estoque nos ingredientes dos pratos mais rentáveis, otimizando o giro e o retorno sobre o investimento (CMV baixo). |
| Criação de subprodutos com sobras | Uso criativo de talos, cascas e sobras de cortes em caldos, “mise en place” e molhos. |
Redução drástica do desperdício de matéria-prima, impactando diretamente o cálculo do CMV (diminuindo o volume descartado). |
Conclusão
Manter os estoques em hotéis nos níveis corretos, sem impactar negativamente o CMV, é o resultado de uma disciplina gerencial, não de sorte. Além disso, requer que a gestão de materiais seja vista como uma função logística e financeira, e não apenas operacional.
A chave, portanto, está na previsão inteligente, na adoção rigorosa de metodologias (PEPS), na padronização via fichas técnicas e na utilização de tecnologia para rastreamento. Ao transformar o estoque em um centro de fluxo otimizado, o hotel garante que o capital de giro seja maximizado e que o CMV reflita a verdadeira eficiência de suas operações, assegurando tanto a satisfação do hóspede quanto a saúde financeira do negócio.









